

Prevalência e fatores associados à violência no ambiente de trabalho em agentes de segurança penitenciária do sexo feminino no Brasil
Mural de Práticas
Nacional | Pará, Rondônia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Janeiro / 2014 - Dezembro / 2015
Servidores penitenciários
Promoção da Saúde; Prevenção de Doenças e Agravos; Gestão do Trabalho em Saúde
Saúde da Mulher;
Violência contra mulher e LGBTQIA +
Violência laboral; Agente de segurança penitenciário; Agressão; Segurança pública; Estresse ocupacional
Autores:
Marcelo José Monteiro Ferreira; Raimunda Hermelinda Maia Macena; Rosa Maria Salani Mota; Bernard Carl Kendall; Ligia Regina Franco Sansigolo Kerr
Instituições parceiras:
Tulane of Public Health and Tropical Medicine; Department of Global Community Health and Behavioral Sciences; Universidade Estadual do Ceará
Do que trata a experiência?
O objetivo desta experiência foi estimar a prevalência e os fatores associados à violência no ambiente prisional em agentes de segurança penitenciária do sexo feminino no Brasil. Tratou-se de um estudo transversal, analítico, de abrangência nacional envolvendo 15 unidades prisionais femininas distribuídas nas cinco regiões do país. Análises estatísticas foram realizadas para verificar as associações de interesse. Como principais resultados, destacamos que a prevalência de pelo menos um episódio de violência contra agentes de segurança penitenciária do sexo feminino foi de 28,4%. Trabalhar em mais de uma Unidade Prisional significou aumentar em mais de 3 vezes as chances de sofrer violência quando comparado às agentes que trabalham em apenas uma Unidade. Os principais fatores associados são: trabalhar em casas de privação provisória, idade de ingresso no sistema prisional e baixo suporte social entre colegas de trabalho. A violência no ambiente prisional brasileiro é um fenômeno complexo e multicausal. Para o seu enfrentamento, é necessária a adoção de ações intersetoriais, capazes de intervir tanto no ambiente de trabalho como na comunidade prisional de uma forma geral.
Que motivos levaram à realização da experiência?
O presente trabalho foi realizado a muitas mãos e buscou desvelar um contexto psicossocial e sanitário muitas vezes mascarado, escondido por detrás de grandes muros, grades e fardamentos. Trata-se de um estudo em que objetivou estimar a prevalência de violências no ambiente de trabalho entre agentes de segurança penitenciária do sexo feminino no Brasil.
Neste contexto, diversos são os riscos ocupacionais presentes no cotidiano laboral dos agentes de segurança penitenciária. Contudo, apesar da relevância do tema, a literatura ainda apresenta grandes lacunas no sentido de evidenciar as relações entre as condições de trabalho e saúde desses profissionais. Estudos tornam-se ainda mais escassos quando se tratam da população de agentes penitenciárias do sexo feminino.
Características inerentes às atividades laborais dos agentes de segurança contribuem para que esses profissionais tornem-se mais susceptíveis ao desenvolvimento de problemas relacionados à saúde física e mental. Para tanto, lançamos luz a exposição crônica à violência existente no ambiente prisional. Fatores como a superlotação das unidades carcerárias, o baixo efetivo de agentes penitenciárias e o uso recorrente de agressões como forma de manter o disciplinamento e a ordem no interior das prisões contribuem para tornar, tanto as agentes como as detentas, mais vulneráveis às práticas violentas.
Soma-se ainda, a existência de importantes lacunas com relação a ações direcionadas a essa categoria profissional. Mesmo entre políticas públicas relacionadas à população carcerária, percebe-se um hiato na proposição de ações resolutivas, capazes de enxergar a complexidade e vulnerabilidade inerentes ao processo de trabalho das agentes de segurança.
Por fim, esperamos que os resultados identificados no presente trabalho contribuam minimamente para a melhoria das condições de trabalho e de saúde desta categoria profissional em específico, tão importante para a nossa sociedade.
Quais objetivos foram pensados?
O objetivo principal da experiência foi de estimar a prevalência de violência no ambiente de trabalho e seus fatores associados em agentes de segurança penitenciária do sexo feminino no Brasil.
A violência no ambiente carcerário brasileiro atinge tanto as agentes de segurança penitenciária como as detentas. Os fatores causais não se limitam apenas às condições degradantes de encarceramento, nem tampouco à superlotação e precariedade do trabalho das agentes prisionais. A violência nas unidades prisionais do Brasil deve ser compreendida como produto da exclusão social de grande parcela da população mais carente do país. Em um sentido mais amplo, trata-se da violência estrutural, que se expressa na ausência de direitos básicos como condições de moradia adequada, saúde, trabalho e educação de qualidade. Nesse sentido, a adoção de medidas restritas apenas ao ambiente de trabalho das ASP não são suficientes para torná-lo mais seguro e menos violento. É preciso a incorporação de um conjunto de ações e medidas intersetoriais, desenvolvidas dentro e fora das unidades prisionais. Capaz de alcançar tanto ASP como a sociedade em geral, numa perspectiva de enfrentamento das desigualdades sociais que se reproduzem no interior das unidades prisionais brasileiras.
Qual o passo-a-passo da realização da experiência?
Foram aplicados questionários em 295 agentes de segurança prisional do sexo feminino, escolhidas de forma aleatória entre as Unidades Penitenciárias. O Self-Reporting Questionnarie-20 (SRQ-20) foi utilizado para mensurar os níveis de suspeição para os Transtornos Mentais Comuns. O Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) foi aplicado para a identificação de diferentes padrões de consumo de álcool entre as participantes da pesquisa. As definições de violência física, psicológica, sexual e moral utilizadas nesta pesquisa estão em conformidade com os conceitos adotados pela Organização Mundial da Saúde. Quanto às características relacionadas ao trabalho, foram investigadas a idade de ingresso no sistema prisional, tempo de trabalho como agente e ocupações anteriores ao ingresso no sistema prisional. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará.
Quais foram os resultados?
Como resultado, identificamos que a média de idade das agentes penitenciárias foi de 38 anos. Aproximadamente 44% se autodeclararam negras e 64,3% frequentam a Universidade, já completaram o ensino superior ou alguma pós-graduação. No que tange aos componentes psicossociais, a quase totalidade das agentes considera seu trabalho como de risco e estressante. Cerca de 68,4% das agentes declararam ter conhecimento de eventos envolvendo violência com colegas de trabalho nas unidades prisionais. Para todos os tipos de violência sofridas, as próprias agentes e as detentas aparecem como as principais suspeitas de praticarem violência física grave e severa 93,1%, violência física leve 89,4% e violência psicológica 52,4%. Por fim, as agentes que apresentam transtornos mentais comuns apresentam maiores chances de sofrerem violência no trabalho.
Desse modo, nossos resultados chamam a atenção para um perfil de profissionais com um alto grau de escolaridade. Isto pode favorecer o perfil de capacitação e qualificação destes profissionais, resultando em um alto nível de desenvolvimento de competências e habilidades no exercício profissional. Nossos resultados chamam a atenção ainda para o reconhecimento do estresse percebido pelos profissionais durante o exercício laboral. Este dado é relevante e merece atenção, tanto de gestores como dos profissionais responsáveis pelos serviços de saúde e segurança do trabalho. Eles reforçam a necessidade de um acompanhamento psicossocial mais próximo destes profissionais, com ações permanentes e sistemáticas ao longo dos anos. Sobretudo com um caráter de promoção da saúde e prevenção do adoecimento mental.
Estas ações apresentam um potencial de impacto, inclusive, entre as relações interpessoais. Neste contexto das unidades prisionais isto se torna ainda mais importante, sobretudo pelo fato de que mais da metade das profissionais que participaram da pesquisa relataram o conhecimento de eventos envolvendo episódios de violência com colegas de trabalho nas unidades prisionais.